Durante todo o ano de 2022, a Polícia Federal (PF) apreendeu 3886 dispositivos de cigarro eletrônico no Ceará, o número representou um aumento expressivo se comparado a 2021, quando foram apreendidos 111 dispositivos do tipo. Em 2023, até o momento, somente a PF já tirou de circulação 94 produtos conhecidos como “vapes”. As apreensões, muitas vezes, culminam na prisão de pessoas que geralmente têm a intenção de vender tais equipamentos.
O delegado Regional de Polícia Judiciária (DRPJ) afirma que a tendência é que o número de apreensões neste ano continue subindo em relação ao ano passado. “Conforme artigo 334-A do Código Penal e resolução publicada no Diário Oficial da União configura o crime importar, exportar, vender, expor à venda, manter em depósito ou, de qualquer forma, utilizar em proveito próprio ou alheio, adquirir, receber, ocultar, no exercício de atividade comercial ou industrial, cigarros eletrônicos, e-cigaretes, e-ciggy, ecigar, viper, vape, entre outros, especialmente os que aleguem substituição de cigarro”, detalha.
Nesse contexto, o presidente da comissão de Segurança Pública da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-CE), Cláudio Justa, explica que, desde 2009, existe uma resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) que define os riscos quanto à comercialização deste tipo de produto. “A Anvisa é um órgão administrativo que regula justamente a entrada de tudo aquilo que tem impacto na saúde. Quando a Anvisa emite um parecer dizendo que não é algo saudável, essa passa a ser uma uma substância ilícita. Hoje, é ilegal a comercialização destes produtos”, pontua.
Justa alerta ainda que o argumento de que não se sabe sobre a vigência da proibição não é válido para o direito penal. “É pressuposto que, quando a norma se estabelece, ela é de conhecimento de todos. Então, não é algo que possa prevalecer judicialmente”, relata. Contudo, o presidente destaca que o uso do cigarro eletrônico em si, não está proibido. “Há uma previsão de regulamentação mais específica e é possível que o próprio cigarro eletrônico possa se tornar ilegal e não só a sua comercialização”.
Wagner Barbosa, que também é advogado, chama atenção para o fato de que o cigarro eletrônico ainda pode causar problemas no contexto do Estatuto da Criança e do Adolescente, que proíbe vender, fornecer, servir, ministrar ou entregar, ainda que gratuitamente, para pessoas nessa faixa etária coisa ou substância nociva à saúde. “A turma que fica compartilhando o cigarro eletrônico, se for abordado por um policial, na melhor das hipóteses, pode passar uma noite bem ruim tendo que se justificar na delegacia”, alerta.
O advogado Edson Santana, por sua vez, reforça que, no Ceará, o governo proibiu o consumo de cigarros eletrônicos em ambientes privados e públicos na Lei nº 17760 de 11 de novembro de 2021. Além disso, segundo ele, os usuários podem ser punidos caso fique comprovada a presença de substâncias ilícitas nos aparelhos, mesmo que o uso em si dos “vapes” não possa ser caracterizado como um fato que o Direito Penal incrimine.
Riscos à saúde
Além dos problemas com a lei, o cigarro eletrônico também traz riscos à saúde. De acordo com a pneumologista e coordenadora do Programa de Controle do Tabagismo do Hospital de Messejana, Penha Uchoa, evidências científicas apontam para sintomas agudos de intoxicações, rinite alérgica, asma e a síndrome EVALI. “Essa síndrome acometeu principalmente jovens americanos que desenvolveram essa insuficiência respiratória aguda e foram internados em caráter de emergência. Houve cerca de 80 óbitos, é uma situação bem grave”, relata a especialista.
Nesse sentido, ela alerta sobre a crença de que o cigarro eletrônico não é maléfico ou é menos prejudicial do que o cigarro convencional. “Este é o pior dos mitos. A maior parte dos cigarros eletrônicos contém nicotina e, se contém nicotina, é um produto que causa dependência. Também já foram encontradas cerca de 80 substâncias que são maléficas para o organismo e estão contidas nos cartuchos”, aponta. Para Uchoa, tal mito acaba estimulando o uso desse tipo de equipamento, mesmo em pessoas que jamais haviam tido contato com a prática. “Observamos que o cigarro eletrônico é um trampolim para a dualidade. Pacientes que tentam parar de fumar o cigarro convencional utilizando o eletrônico e não conseguem, acabam fumando ambos, adquirindo uma situação chamada de tabagismo dual”, pontua.
A pneumologista detalha sobre o quanto esses dispositivos estão chamando a atenção de adolescentes e adultos jovens. “Os modelos são muito mais arrojados, se modificam constantemente e proporcionam a adição de flavorizantes que cortam a sensação ruim do trago do cigarro convencional. Tudo isso estimula a experimentação, a iniciação e favorece a dependência”, critica. Para ela, o período carnavalesco é um momento especial para a realização de campanhas sobre os prejuízos do uso de cigarro eletrônico. “É sempre benéfica toda oportunidade que tivermos para chamar atenção para esses riscos. O carnaval é uma festa alegre e criativa, que traz muita liberdade de expressão. Mas, é um momento que as pessoas acabam se excedendo e iniciando o tabagismo. É importantíssimo que se tenha controle e moderação. Conhecer o risco do cigarro eletrônico é essencial nesse momento, porque há muito desconhecimento e fake news”, afirma.